domingo, 23 de dezembro de 2007

A revelacao

E entao que andamos nos a fazer nestes dias de ausencia?

Estavamos nos ainda em Goa quando a Laura, ao ler sobre a experiencia de um jornalista que passou 10 dias num retiro num mosteiro budista na Tailandia, pergunta: "Nao gostavas de experimentar passar uns dias num destes retiros?". E foi assim que demos inicio a nossa investigacao "internetica", em busca de alternativas que nos permitissem satisfazer os nossos anseios espirituais. Ou talvez mais de auto-conhecimento. Em pouco tempo encontramos Wat Kow Tahm, um mosteiro localizado em Koh Phan Ngan, uma ilha muito perto de sitios pelos quais tinhamos ja decidido passar. Coincidencia das coincidencias, descobrimos que o mosteiro tinha um retiro de 10 dias planeado para o periodo que melhor se adequava aos nossos planos, a comecar logo a seguir aos anos da Laura e a terminar antes do Natal.

Apos a estadia em Bangkok rumamos para o sul, para Koh Phan Ngan. Ao chegarmos a ilha, ficamos alojadas num bungalow na praia, onde nos podemos dar ao luxo de passar dois dias dedicados exclusivamente ao lazer (praia e piscina) e ao enfardamento. Foi uma especie de despedida dos simples prazeres terrenos antes de nos exilarmos no mosteiro e mergulharmos nas profundezas da filosofia budista.




Chegou entao a altura de nos pormos a caminho de Wat Kow Tahm. Foram uns extenuantes 15 minutos de taxi para subir o monte ate ao mosteiro. O contraste do ambiente do mosteiro com o resto da ilha foi uma agradavel surpresa. Embora Koh Phan Ngan pareca ser o prototipo do destino ideal de jovens ocidentais em busca de festas, animacao e todo o tipo de convivio barulhento, este refugio budista revelou-se um idilico local no meio de uma densa floresta. "Inspirador", pensamos nos. Mas logo descobrimos que, como tudo na vida, tambem havia aqui um lado menos positivo: escorpioes, cobras venenosas e todo o tipo de insectos, incluindo uma impiedosa legiao de mosquitos-guerreiros que nao se deixavam desencorajar com qualquer tipo de repelente (sendo que aqui nao se aceitava o uso de insecticidas, afinal segundo uma das regras budistas nao se deve assassinar nenhum tipo de seres vivos).

E foi assim que demos inicio ao nosso periodo de purificacao interior. Dez dias em completo silencio (sem comunicar de qualquer forma com nenhum dos outros cerca de 30 reclusos), sem qualquer tipo de comunicacao com o exterior (nem internet nem telemovel), a acordar as 4h da manha, a fazer cerca de 10 horas de meditacao diaria, com 3 refeicoes diarias (baseadas em frutinhas e vegetais) e umas 2 horas de aulas teoricas, durante as quais nos eram explicados alguns preceitos budistas. O retiro era levado a cabo por um casal,o Steve e a Rosemary Weissman, dois ocidentais anglofonos de meia idade, que se assemelhavam mais a duas incarnacoes de pacificos e inspiradores Budas.

Houve muitos momentos bem chatos, alguns insuportaveis, muitas dores nas costas (10h de meditacao diarias tornam-se um exercicio puxadito), muita impaciencia, muita convivencia com pensamentos mais irritantes, muita dificuldade em seguir os ensinamentos deles sobre como compreender e dominar a propria mente (que descobrimos ser um bicho irrequieto e bem dificil de domar, mas que ao mesmo tempo pode muito facilmente tomar todo o controle das nossas vidas), muitas duvidas MAS... ao mesmo tempo foi INCRIVEL!!

O silencio foi a parte mais facil. Ainda bem que nos puseram em quartos separados, caso contrario teria sido dificil. As vezes, quando passavamos uma pela outra, quase desatavamos as gargalhadas, mas ao fim de uns dois dias la nos habituamos a ignorar-nos mutuamente. O estranho e que nao parecia que havia silencio. Porque?? Porque a mente nao para! "Epah que calcas tao giras tem aquela!", " aquele ali tem cara de parvo", " o que e o que esloveno esta a fazer?", "por falar nisso, como estara a Ines na Eslovenia?", " bem deve ser um inverno com neve", " ahhhh, que bonito! Inverno com neve deve ser giro", "aqui esta mesmo calor", " assim que sair do mosteiro vou logo dar um mergulho e comer um belo chocolate", " ahh, como me apetece um chocolate!!", " por falar nisso, o que sera o almoco?", "E quanto tempo faltara para o almoco?", " que seca, ainda so passaram 15 minutos desde que comecamos isto...".
Isto tudo quando era suposto concentrarmo-nos nas coisas que eles diziam ser importantes... e nao dava. E com isto percebemos que, de pensamento em pensamento, sobre o futuro, passado ou presente imaginario, vamos perdendo o prazer das pequenas coisas do presente, do AGORA.

Quando os mosquitos se tornavam um desafio, Steve dizia "aproveitem a oportunidade cada vez que forem picados. E uma oportunidade de se concentrarem na sensacao, analisarem a sensacao, e tentarem distanciarem-se dela, deixarem de a perceber como dor ou comichao". Isto na teoria e bonito e nos bem nos esforcamos. Mas na pratica, por vezes, tornou-se bem desgastante.
Tinhamos varias horas de meditacao a caminhar para tras e para a frente num pequeno percurso marcado no chao, durante as quais o objectivo era simplesmente concentrarmo-nos no toque da palma dos pes no chao, tentarmos sentir o chao. E uma coisa tao simples e tao DIFICIL!!! E mesmo dificil nao nos deixarmos andar a deriva por pensamentos desnecessarios... Tinhamos tambem varias horas de meditacao sentada, sem contar com outros tipos de meditacao, como meditar enquanto se come e se trabalha (pois e, cada um tinha um trabalho. Eu era a mulher de limpezas do WC e a Laura tocava o sino que marcava o final das caminhadas).
Foi interessante percebermos muita coisa sobre nos proprias, sobre os nossos medos, desejos, e dificuldades de concentracao, controle e analise de pensamentos. Mas as vezes tambem era puxado. E o melhor e que, cada vez que se tornava mais dificil, parecia que quando chegava a vez do Steve ou da Rosemary falarem, eles conseguiam sempre dizer qualquer coisa que ajudava a ultrapassar as dificuldades que iamos sentindo.
Comico foi quando o silencio acabou. Ouvirmos as coisas que passaram pela cabeca uma da outra durante todo esse tempo provocou-nos um interminavel ataque de riso.
Laura - "Houve momentos em que fiquei assustada. Porque olhava para ti e via-te tao seria, com uma cara tao estranha que pensava: Aquela nao e a Catarina, eles estao a fazer-nos uma lavagam cerebral e fizeram-lhe qualquer coisa de mal, agora ela nunca mais vai ser a mesma".
Outra coisa engracada foi que, talvez pelo facto de andarmos o dia todo a controlar os nossos pensamentos, a noite tinhamos imensos sonhos.


Nos e os nossos companheiros de reclusao com os nossos mentores (o casal em baixo ao centro) e algumas das freiras do mosteiro.

Conclusao: recomenda-se! Para quem estiver eventualmente interessado, eles fazem retiros quase todos os meses do ano, geralmente sempre do dia 12 ao dia 21. Mas aqui vai o site para consultarem:

http://www.watkowtahm.org/

Depois de regressarmos, optamos por voltar a mesma praia onde tinhamos estado antes e rendermo-nos novamente aos prazeres da vida terrena que ja nos pareciam tao distantes...




O mosteiro onde estivemos situa-se no cimo daqueles montes verdes que voces vem la atras!!!
E e com este por do sol que nos despedimos deste lado da ilha e seguimos para nordeste, onde contamos encontrar alguns companheiros do retiro e com eles passar o Natal (na praia!!!).

2 comentários:

Rui disse...

Pelo conheço de ti Laura, deves ter adorado, deve ser mt complicado nesses momentos controlar todos os nossos pensamentos e conflitos interiores, mas o desafio é esse mesmo, espero que venhas a mesma Laura, apenas mais bronzeada, lol. Uma bom natal para vcs.

Anónimo disse...

admiro a tua coragem ANA bjokas mae