sexta-feira, 28 de março de 2008

O ultimo capitulo??

E eis que, num piscar de olhos, passou quase um mes desde a ultima vez que aqui partilhei historias...

Foi um mes recheado de viagens, encontros e aventuras que vou tentar resumir e partilhar. Terminado o relato, chega a altura da despedida pois amanha a British Airways vai-me dar uma boleia ate Portugal. Momento de dizer adeus a vida de nomada (pelo menos por uns tempos) e de dar inicio a uma nova fase com os pes assentes no nosso belo Condado Portucalense.

Mas antes de mais, vamos as actualizacoes:

( que, infelizmente, nao serao acompanhadas de fotografias porque, neste preciso momento, a minha maquina fotografica resolveu entrar em greve. Espero que nao esteja a sofrer de nenhuma maleita grave, a perspectiva de perder todos os meus registos fotograficos dos ultimos meses tem o seu "que" de assustador...)

Uma versao um pouco mais tostada de mim propria abandonou o paraiso tailandes no inicio de Marco e passou uns dias em Bangkok, a matar saudades de gastar dinheiro em compras e a dizer adeus as cervejas Chang e Singha. Concluidas as despedidas, apanhei um aviaozito fragil e pequenito (nao houve turbulencia que passasse despercebida, cheguei a questionar-me se estaria numa montanha russa) e aterrei novamente na India, mais precisamente em Calcuta.

Nao consigo explicar bem este meu fascinio pela India mas a verdade e que, assim que entrei no aviao da Indian Airlines, senti-me em casa. Os sons, os cheiros, as cores... O sotaque do "ingles versao indiana", o cheiro a caril e incenso, os fortes contrastes das roupas coloridas, os filmes recheados de musica e cenas de danca. Toda uma conjuncao de pormenores que, durante os muitos saltos que o pequeno aviao deu, me fizeram sentir que estava ja com um pe assente na India.

Aterrei em Calcuta sozinha, toda entusiasmada com a perspectiva de viajar por minha conta nesse pais onde, por vezes, as dificuldades se fazem sentir de forma bem mais intensa para as muheres. Depois de um dia em Calcuta, a dormir numa especie de caixa com uma cama no interior (a qual os donos da Guest House resolveram chamar "quarto") e a tentar ignorar os muitos apelos de homens-melgas que tentavam meter conversa, resolvi por-me a caminho de Allahabad.

Interessante como tenho ouvido tantos relatos de pessoas que viajaram pela India mas, quando estou a viajar por ca, parece sempre tao dificil encontrar outras pessoas mais esbranquicadas com maloes as costas. Ao fim de tres dias, dei por mim a suspirar por uma companhia, alguem com quem pudesse estabelecer uma comunicacao baseada em mais do que duas ou tres palavras.

Allahabad nao cativou o meu espirito. Resolvi seguir para Khajuraho. Estava muito curiosa quanto a este destino: Khajuraho e uma pequena vila, famosa pelos seus templos (descobertos pelos ingleses no final do sec. XIX), cujas fachadas chegaram a ser consideradas como "indecentes" e "inapropriadas". Isto porque os templos se encontram cobertos de magnificas esculturas com imagens que parecem saidas do Kama Sutra, algumas incluem ate "actividades" entre humanos e animais.

Inicialmente estava a planear ficar um ou dois dias em Khajuraho mas a verdade e que, assim que la cheguei, senti logo vontade de prolongar a minha estadia. Nao necessariamente pelo local fisico em si, fosse pela aldeia ou pelos templos, mas mais pelas pessoas com quem tive a oportunidade de me cruzar. E depois de uns quantos dias a comunicar quase exclusivamente comigo propria, soube muito bem voltar a "viver em sociedade".

Entre as varias pessoas que conheci, acho que a historia mais interessante a partilhar e a do Farshad. Ora bem, uma manha estou eu na internet, entretida a mandar os meus mails, quando um americano vestido a Saddhou (homem santo) vem ter comigo para me pedir um favor: ele e os dois amigos indianos queriam fazer um site para a agencia de viagens deles mas nao tinham maquina fotografica. "Levamos-te a passear de mota por Khajuraho, ficas a conhecer umas aldeias aqui perto, DE GRACA, desde que tires umas fotos para nos com a tua maquina".

Soa a "treta", nao e?? Mas ele e os amigos deles eram tao simpaticos que la fui. E valeu a pena! Pelo meio, o Farshad (americano de origem iraniana) la me disse que tinha chegado a Khajuraho ha uma semana, tinha vindo num dos muitos grupos gigantescos que viajam por intermedio de pacotes turisticos, em autocarros privados, e ficam uns dois dias em cada sitio, em hoteis de luxo. Ele nao estava a gostar nada de viajar pela India desta forma e, assim que chegou a Khajuraho, um indiano foi ter com ele, disse que "sentiu" que ele devia ficar por la, ofereceu-lhe a casa dele e propos-lhe uma serie de actividades que ele poderia realizar em Khajuraho. O Farshad nao hesitou: abandonou o grupo com quem viajava, cancelou o regresso aos EUA, e resolveu ficar naquela localidade da India enquanto tiver possibilidades financeiras para o fazer.

Houve momentos em que me questionei sobre a veracidade da historia dele mas a verdade e que, assim que regressei a minha 'casa', a primeira coisa que o dono do hotel me disse foi "aquele americano que anda por ai e meio doido, aqui ha uns dias resolveu trocar o conforto de um bom hotel pela casa de um homem da aldeia".

Ao fim de uns 4 dias, chegou a altura de seguir caminho para Delhi. Tinha um problema burocratico para resolver: o meu visto expirava no dia 23 de Marco mas tinha o meu voo de regresso a 29 desse mes. Depois de umas 20 horas de viagem, autocarro e camioneta, coberta por uma vasta camada de po, chego a Delhi pela manha, tomo um duche rapido e ponho-me a caminho do FRRO (Foreigner's Registration Office - a "seca" das "secas"...). Tinha ponderado a hipotese de nem sequer resolver o problema, fazer-me de parva assim que chegasse ao aeroporto, no dia da partida, e logo se via. Mas felizmente optei por nao o fazer: e que mal cheguei ao FRRO, conheci um casal de Singapura que, na noite anterior, tinham sido impedidos de seguir no seu voo porque os respectivos vistos tinham expirado ha uns dias. Olho para a parede onde se encontram os precos e percebo que vou ter que pagar uns 40 euros so por uns diazitos... "Bolas... porque e que nao pensei nisto antes??". Entro no FRRO e percebo que, pela quantidade de pessoas que la estavam e pelo ritmo a que as confusas filas pareciam mover, tenho muitas horas de espera pela frente... "BOLAS... PORQUE E QUE NAO PENSEI NISTO ANTES, ENQUANTO AINDA ESTAVA EM PORTUGAL??".

Foram sete horas de espera mas la fui conhecendo umas quantas pessoas, quase tudo na mesma situacao que eu. E praticamente todas elas me passaram a frente, deduzo que eu tenha sido enviada para o departamento mais lento de todo o FRRO. Mas reparei que todos, no final, desembolsavam a quantia requerida. Quando chegou a minha vez, a simpatica senhora carimbou-me o visto e mandou-me embora. Ainda fiquei a olhar para ela, meio estupefacta. "Posso ir-me embora? Nao tenho que pagar nada??". Nao, nao tive!

Dia seguinte: proxima e ultima paragem - Jaipur!

Ha quase quatro anos atras, trabalhei nove meses num orfanato localizado numa aldeia proxima de Jaipur. Foi uma experiencia incrivel! Sobretudo porque eu tive a sorte de ir parar a uma ONG gerida por um casal de indianos extremamente dinamicos e empenhados na causa pela qual trabalham. Mas desde entao, nao tinha ainda tido a possibilidade de la voltar. Dai que esta minha ultima paragem antes do regresso a Portugal teve um sabor especial, foi quase um mini-regresso a casa, uma segunda casa na India.

Assim que cheguei ao orfanato, senti-me uma velha, daquelas que se poem a apertar as bochechas das criancinhas, enquanto repetem insistentemente a mesma lenga-lenga: "Aiiii, estas tao grande, tao crescida, uma mulherzinha!!". Os sorrisos e a energia altamente contagiante das criancas sao os mesmos, mas numa versao fisica bem mais evoluida!E soube muito bem ver que elas nao foram as unicas a crescer, a ONG e o orfanato tem sabido crescer e evoluir a muitos niveis diferentes.

Para quem esteja interessado em obter mais informacoes, a ONG chama-se Vatsalya e o orfanato (um dos muitos projectos da ONG) da pelo nome de Udayan. O site e o seguinte:

http://www.vatsalya.org/

Depois de uma semana a recarregar energias em Udayan, a brincar com as criancas e a rever amigos, chegou a altura de regressar a Delhi.

E ca estou! Prontinha para terminar esta actualizacao do blog e correr para o mercado, onde espero gastar os meus ultimos trocos!

Segue-se a questao: acabou por aqui este blog?

NAO! Mas isso ja sao cenas dos proximos capitulos...

domingo, 2 de março de 2008

Por cantos e recantos da Tailandia

(Desta vez nao ha fotos para ninguem: a minha veia altruista chegou a conclusao de que esta na altura de estimular a imaginacao do leitor. Alem disso, a internet aqui e demasiado cara para o meu bolso!)

Por onde se encontra agora a minha nobre pessoa?

Sem querer despertar invejas alheias, devo dizer que nao so me encontro numa ilha paradisiaca da Tailandia, como me encontro de facto na mais paradisiaca de todas as ilhas sobre as quais ja pousei os meus esbeltos pezinhos. Koh Maak e o nome deste paraiso ainda por explorar pelo impiedoso monstro que e o "turismo em massa". Foi esse monstro que transformou ja muitas das ilhas tailandesas em verdadeiros resorts recheados de asfalto e de um malfadado e barulhento "desenvolvimento", que em tudo parece atentar contra o ecossistema local e contra a paz de espirito de muitos dos seus visitantes.

Esta ilha e obviamente um destino turistico (caso contrario eu nao estaria aqui) mas parece ser um turismo mais "artesanal". Eu vim parar a um magico recanto da ilha onde ha apenas floresta, praia e um mini-resort constituido por 7 bungalows de bambu. Ao inicio, a constante - e tao proxima! - convivencia com a vida animal, foi para mim algo de intimidante. Como se nao bastasse ter encontrado todo o tipo de insectos a povoar a minha barraca de bambu, no primeiro dia cruzei-me com uma cobra! No entanto, apos 2 dias, todo o conjunto de "cri cris", "geckos", "brrr", "triiim" e sons afins (incrivel a quantidade de sons diferentes que insectos e/ou animais conseguem emitir...Sou mesmo menina da cidade...), em consonancia com o barulho do mar, sao ja percepcionados como uma especie de melodia ou cancao de embalar.

Mergulho apos mergulho, sinto-me uma verdadeira eremita, cuja companhia quase exclusiva da pelo nome de "Steppenwolf" (um livro de Herman Hesse que me tem feito mergulhar tambem numa meditacao sobre a complexidade da natureza humana).

E por onde vagueou a minha excelentissima pessoa desde que o Laos ficou para tras?

Esta pobre alma portuguesa, atormentada pelas constantes suposicoes de que as minhas raizes jazem algures em Israel ( Parem de falar comigo em hebraico! Eu nao sou israelita nem tenho em mim quaisquer resquicios de sangue judeu!!), optou pela cidade de Chiang Rai como primeiro destino no norte da Tailandia.
E foi a minha primeira desilusao... Para alem de uns quantos templos budistas (e ao fim de 3 ou 4 eles parecem todos iguais...), nao havia muito mais para ver. Rapidamente me pus a caminho de Chiang Mai. Os fas do norte da Tailandia que me perdoem mas aqui tive a minha segunda desilusao: encontrei muitos templos, muitas actividades para turistas sequiosos de diversao e... muito transito. Mas nada do charme que esperava encontrar numa cidade pequena e mais tradicional. Ou talvez sejam os meus padroes de beleza urbana que, depois de Luang Prabang, se tornaram demasiado exigentes...

Em Chiang Mai reencontrei o Steve e o Mark (os australianos) e conheci a Kim e o Tanoe (dois canadianos), com quem fui explorar o quase interminavel mercado de domingo a noite. Depois de esbanjados muitos bahts (moeda tailandesa), resolvemos procurar um local onde pudessemos relaxar os instintos consumistas e prosseguir para um convivio mais calmo, regado a alcool. Quando chegamos a um bar, alguem se lembra que, nos ultimos dias, tem sido proibida a venda de alcool devido a proximidade das eleicoes a nivel distrital.
"Nao, nao vendemos bebidas alcoolicas hoje, nao e permitido". E, depois de baixar o volume para uma especie de sussurro, prossegue: "Mas... se quiserem meeeeeeesmo beber... podem sentar-se no jardim, nas traseiras do bar, e fingir que vao so jantar". La vamos nos, preparadissimos para infringir a lei, quando para nossa surpresa somos servidos por pessoas meio "estranhas", com certas dificuldades de compreensao seguidas de gargalhadas estridentes. Depois de pedirmos um vinho, a garrafa chega meio vazia e a empregada, entre sorrisos apaticos e olhares gazeados, la nos diz que esteve a beber com o resto da "tripulacao" do bar.

E assim foi a minha despedida de Chiang Mai. No dia seguinte, decidi que estava na altura de procurar novos horizontes e optei por seguir as ultimas recomendacoes que me tinham chegado aos ouvidos. Esta viagem tem sido uma sequencia de de destinos nao planeados, escolhidos ao acaso ou com base em referencias de outros viajantes com quem me tenho cruzado. O mesmo sucedeu com Koh Maak, ilha que nem sequer consta no meu Lonely Planet.

Paraiso, aqui estou eu!!!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Souvenirs de Luang Prabang e arredores

Conheci um alemao que me disse que Luang Prabang, com o seu estatuto de Patrimonio Mundial concedido pela Unesco e os seus varios edificios e estabelecimentos geridos quase exclusivamente por estrangeiros, fazia lembrar a Disneylandia. "Isto nao e o verdadeiro Laos, e uma especie de teatro, uma encenacao para os turistas". Basta passear um dia pela cidade para perceber que ele tem razao. Apesar disso, o ambiente desta antiga capital e a descontraccao e simpatia dos seus habitantes cativaram-me particularmente.


O Palacio-Museu de Luang Prabang



Uma vendedora de flores a entrada de um templo

Ao viajar por diferentes cantos da Asia, tenho-me deparado com esquemas e mais esquemas, levados a cabo por pessoas "aparentemente prestaveis e bem intencionadas" que so tem na verdade um unico objectivo: o de extorquir o maximo dinheiro possivel aos turistas distraidos e apatetados (entre os quais muitas vezes me inclui eu propria). Talvez por causa disso, a tendencia e adoptar uma postura mais cinica e desconfiada em relacao as motivacoes alheias, sobretudo quando se trata de pessoas que parecem "demasiado" interessadas em ajudar.

Foi o que me sucedeu uma noite, quando eu e o Rob nos estavamos a questionar sobre o que fazer no dia seguinte, e um empregado de mesa vem ter conosco, mete conversa ("Where are you from? blah blah blah") e se oferece para nos levar a alguns sitios tipicos e nada turisticos. "Amanha e o meu dia de folga, se quiserem posso levar-vos a uma aldeia aqui perto". Hmmm... E quanto e que isso custa?? " Ah e tal, nao sei, ja ha algum tempo que nao vou la, nao faco ideia quanto custa o bilhete de barco para o outro lado do rio". Olha, olha, este quer ganhar dinheiro a nossa custa! Mas o Rob, que o achou genuinamente simpatico, comecou a despertar a minha curiosidade quanto as potencialidades do passeio-surpresa, e no dia seguinte la fomos com ele.

De facto, foi uma surpresa!


O Rob e o Key

O Key levou-nos a margem oposta do Mekong, onde nos conduziu por uma aldeia e nos mostrou templos e grutas. Antes de nos despedirmos, fomos com ele a uma especie de tasca a beira do rio para provarmos uma salada tipica da zona ( que nao teve um impacto propriamente positivo no meu organismo mas... valeu pela experiencia...).
No final nem nos pediu dinheiro. So queria mesmo ter um dia de folga diferente, a passear com turistas, e praticar o ingles que esta ainda a estudar.
Moral da historia: confiar ou desconfiar, eis a questao!



Mercado: vendedora de morcegos

No Laos e paises vizinhos, tudo se come. De baratas a morcegos (passando por ratos, cobras ou aranhas tipo tarantulas), todos os seres vivos parecem ter algum tipo de potencial para se tornaram em saborosos (???) petiscos locais.



Bye Bye Luang Prabang: aqui vou eu num Slow Boat!
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Resolvi dizer adeus aos Laos em grande estilo: subi o rio Mekong de barco ate a Tailandia. Foram dois dias a navegar por locais que me deixaram deslumbrada, meio hipnotizada ate!
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Slow Boat
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O barco faz jus ao nome de "Slow Boat" porque, de facto, parece deslizar tao tranquilamente pelo rio que acaba por transmitir alguma dessa paz de espirito. Embora, confesso, ao fim de umas horas no segundo dia ja eu dava por mim a olhar para o relogio e a desejar que o senhor condutor pusesse o seu pezinho no acelerador.
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Um barco-casa
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Um outro Slow Boat (mais rapido que o meu)
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Pelo caminho acabei por conhecer uma serie de personagens interessantes:
um casal de dinarqueses recem-casados que estavam a aproveitar a sua lua-de-mel de 3 meses a viajar pela Asia, Australia e EUA; um americano que falava espanhol e optava por dizer que era do Alaska e nao dos Estados Unidos porque tinha vergonha da sua proveniencia; um alemao sorridente mas nostalgico pelas memorias da Tailandia de ha 20 anos atras.
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Eu e o casal de dinamarqueses (em cima), o americano e o alemao (em baixo)
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E o que havia de comum entre todos?
Uma paixao pelas viagens que nao deixava espaco para grande estabilidade. Os dinamarqueses planeavam deixar tudo para tras e ir viver para Barcelona. O americano de 50 anos e o alemao de 40 sentiam ambos a necessidade de trabalhar para viajar, ao inves da habitual necessidade de trabalhar para acumular bens materiais.
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Encontrar pessoas que vivem de acordo com estas ideias faz-me quase respirar de alivio, como se chegasse a brilhante conclusao de que afinal eu nao preciso de me conformar e adoptar um estilo de vida que na verdade nao desejo.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Laos - uma especie de paraiso?

E possivel sentir o contraste entre o Vietname e o Laos logo ao atravessar a fronteira: os guardas fardados, com caras de maus e espingardas as costas do Vietname sao substituidos por pessoas amigaveis, sorridentes e prestaveis. No Laos, tudo parece fluir a um ritmo mais calmo, mais leve.

A minha estadia no Laos tem sido marcada por uma serie de encontros e desencontros.
Umas vezes por obra do acaso, outras vezes gracas a esse "admiravel mundo novo" que da pelo nome de internet, e que nos permite manter em contacto com pessoas de qualquer parte do planeta.

Eu "aterrei" neste pais com o Steve e o Mark, dois australianos com quem viajei ate Vientiane, a capital. Assim que atravessamos a fronteira, depois de 10 horas de caminho, esperavam-nos ainda uma viagem de Tuc Tuc (cujo motor deixou de funcionar, obrigando os meninos australianos a fazer exercicio e empurrar o veiculo pelas montanhas e declives do Laos) e duas viagens de autocarro. Apos cerca de 18 horas consecutivas em viagem, chegamos finalmente a Vientiane.
E que tal a cidade? Uma mini-metropole bem calminha mas recheada de turistas, com templos budistas por todo o lado, algumas reminiscencias do imperialismo frances e muitas oportunidades para matar saudades de petiscos ocidentais (de restaurantes franceses e italianos a padarias escandinavas). Soube bem parar por uns dias para relaxar...

Passados 3 dias, tanto eu como o Steve e o Mark ja ansiavamos por novas paragens. Pusemo-nos entao a caminho de Vang Vieng que, segundo as descricoes do Lonely Planet e de muitas outras pessoas que fui encontrando pelo caminho, parecia ser um local meio ambiguo. Assim que la cheguei, tambem eu me senti baralhada: em certas alturas senti-me como se estivesse em casa, noutras senti uma especie de aversao a esta vila.
Vang Vieng consiste basicamente numa serie de bares e pequenos hoteis, localizados a beira do rio e com uma incrivel paisagem de fundo. O que e que se faz aqui entao? Bebe-se cerveja ou baldes de alcool (a outra opcao e pedir os Menus Especiais, nos quais se encontram sugestoes como: cha de opio, batidos e omoletes de cogumelos, e afins...), sentado ou deitado num dos muitos bares com grandes ecras, onde passam episodios da serie Friends ou Family Guy por 12 horas consecutivas. Decadencia ocidental? E possivel, mas por um ou dois dias tambem sabe bem...
Talvez esteja a ser demasiado severa na minha descricao... Ha mais coisas para fazer em Vang Vieng, como visitar as grutas nos arredores da vila, mas a mais atractiva e provavelmente o tubing. Tao simples como alugar uma boia gigante para descer os 3 quilometros de rio, ir parando em varios bares para abastecer de mantimentos (solidos e liquidos) e mergulhar de uma plataforma assustadoramente alta!

Tubing: Glenn e a sua boia
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Ao chegar a Vang Vieng, acabei por perder os australianos de vista e reencontrei o Glenn, um noruegues que conheci no Cambodja. Devido a preguicite generalizada que e possivel sentir ao passar por esta mini-vila, eu e o Glenn acabamos por nos render as maravilhas do convivio alcoolico e extendemos a nossa estadia em Vang Vieng de 2 para 5 dias.

Tubing: um dos muitos bares a beira do rio, e de cuja plataforma era possivel saltar
(com uma especie de fio elastico que se largava ao atingir a agua)
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Depois de 5 dias de inercia, chegou a altura de me por a caminho de Phonsavan, em busca da misteriosa Planicie das Jarras (Plain of Jars). O Glenn seguiu o seu caminho para Vientiane e eu ia continuar sozinha mas, na noite anterior a partida, cruzo-me com o Rob, um holandes que conheci tambem no Cambodja. Ele e os amigos tinham planeado um roteiro semelhante ao meu. E foi assim que, grata pela companhia mas ao mesmo tempo sequiosa de estar por minha conta, acabei por viajar acompanhada mais uma vez...
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Planicie das Jarras (Plain of Jars)
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Quando deixei Vang Vieng, a temperatura devia rondar os 25 graus centigrados. Chinelinhos e roupa de Verao, nada mais. Depois de 8 horas a subir montes e montanhas, encontrei em Phonsavan um Inverno portugues de Tras-os-Montes. Vento gelado, ausencia de infra-estruturas que permitissem acumular algum tipo de calor e, como se nao bastasse, ausencia de agua quente. O gerente do hotel bem dizia que aquilo era agua quente mas a mim parecia-me mais agua mornita a dar para o congelada.


Eu... e uma das jarras (a maior, segundo consta)
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A Planicie das Jarras e ainda um misterio por resolver. Ha teorias que defendem que as jarras sao antigos sarcofagos, outras que consideram as jarras como recipientes gigantes que foram um dia usados para armazenar o whisky Lao Lao (teoria originaria do Laos). E claro que o que nao faltam sao supersticoes locais: segundo uma destas, as jarras foram construidas por gigantes que em tempos viveram nesta zona.


Um grupo de miudos da vila do Whisky Lao Lao, a especialidade alcoolica da regiao
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Um dia a congelar em Phonsavan foi o suficiente para mim, nao tardei a apanhar o autocarro para Luang Prabang, antiga capital deste pais. E aqui, apesar do ceu nublado dos primeiros dois dias, fiquei maravilhada com a cidade que encontrei!

Luang Prabang
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Porque e que sabe bem passear pelas ruas de Luang Prabang?
Por causa das fachadas dos edificios (Luang Prabang e considerada Patrimonio Mundial, e percebe-se bem porque!), dos cerca de 35 templos budistas espalhados por cada canto desta cidade com 30.000 habitantes, e sobretudo pela calma que se sente ao deambular pelas ruas.

A rua principal de Luang Prabang, com o seu transito visivelmente caotico

O Rio Mekong

Os meus novos amigos:

Um jovem empreendedor que me vendeu umas quantas pulseiras
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Um habitante canino de Luang Prabang

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Do Vietname... para o Laos

(Desde que deixei o Cambodja nao consegui voltar a ter acesso ao blogspot.com. Nao sei o que se passara com a internet no Vietname, mas nao houve cibercafe em lugar algum que me permitisse actualizar o blog)

Isto de andar em viagem tem muito que se lhe diga... As vezes parece que o tempo ganha dimensoes diferentes, como se as nossas tao usadas expressoes temporais adquirissem outros significados. Uma semana pode parecer dois dias ou dois meses, conforme as pessoas com quem nos cruzamos, os sitios que visitamos, as emocoes que sentimos. Mas se calhar isto tambem sucede quando nos encontramos no conforto da nossa "realidade" a que chamamos casa e/ou rotina, nos e que nao prestamos tanta atencao porque nos encontramos distraidos com preocupacoes e pensamentos afins sobre o mundo exterior...
Isto tudo para dizer que passaram pouco mais de dez dias desde a ultima vez que aqui escrevi, mas parece que passou uma eternidade.

Aqui vai um esforco de recapitulacao:
Depois de 6 horas de divagacao mental num autocarro, eis que chego ao Vietname. Tudo parece contrastar com o Cambodja: o autocarro deixa de trepidar e saltitar (chegamos a estradas bem asfaltadas), deixa de haver placas ou quaisquer sinais em ingles, as bombas de gasolina e as condicoes em geral parecem transmitir uma imagem mais... ocidental.
Maior limpeza, maior organizacao em geral. Mas isto acompanhado de uma atitude diferente por parte das pessoas: o racio de pessoas amigaveis, sorridentes e prestaveis pareceu diminuir consideravelmente, como se estas tivessem sido substituidas por pessoas mais preocupadas com eficiencia e dinheiro, mais carrancudas e enervadas.

Assim que aterrei na antiga Saigao, actual Ho Chi Minh, conheci a Claire, uma inglesa de 35 anos que anda a vaguear por varios cantos do mundo. Decidimos dar uma volta pela cidade a noite e ambas fomos surpreendidas pelo nivel de desenvolvimento da cidade.
Sinceramente, quando pensava em Saigao, so me vinham a cabeca imagens de filmes americanos sobre a guerra do Vietname. Foi entao uma surpresa descobrir uma metropole recheada de enormes luxuosos edificios, lojas Gucci e Prada, grandes carroes, vietnamitas e ocidentais todos "aperaltados". Mas como nao estava com a minima paciencia para explorar o caos de uma grande cidade, resolvi optar pela praia...

No dia seguinte foi madrugar, correr para o autocarro, enfiar as minhas malas no autocarro que descobri ser o errado, saltar de la para fora, voltar a correr, perguntar a toda a gente pelo meu transporte, ver as caras perplexas dos vietnamitas que nao sabiam responder a minha questao, desesperar um bocadinho, correr mais um pouco e... la acabei por ver um vidro com as palavras magicas: MUI NE. O meu autocarro!!! E foi assim que consegui entrar, poucos minutos antes de o motorista decidir por o seu pezinho no acelerador!



Um pequeno exemplo do caotico transito de motas em Saigao (Ho Chi Minh)

Chegada a Mui Ne:
Arranjei o meu bungalow na praia, toca de mergulhar, torrar ao sol, ler e roncar. No dia seguinte, a Claire veio la ter e passamos dois dias a desfrutar das maravilhas da inutilidade, alternando entre as 4 actividades que mencionei anteriormente.
Mas ao fim de algum tempo a viajar, as vezes torna-se dificil ficar parado num sitio. Como se a mochila nos pedisse para voltar para as nossas costas, em busca de novas paragens.
Decidi por-me a caminho de Nha Trang, local considerado no Lonely Planet como um dos mais turisticos do sul do Vietname mas, antes de partir, fiz um esforco por conhecer um pouco mais da vila de pescadores que e Mui Ne (embora o que salta a vista sejam os inumeros resorts que relembram certas localidades algarvias).


A Claire e eu

Conseguimos libertar-nos da preguicite da praia e fizemos um tour pela zona: visitamos umas dunas de areia que pareciam um autentico cenario de filme. Vieram-me a cabeca titulos como "Lawrence da Arabia" ou "Paciente Ingles".


Um deserto a beira mar plantado


O Por do sol num deserto nublado

Uma das poucas personagens que me relembram sempre que estou no Vietname e nao algures no Ocidente

Deixei a Claire e segui caminho para Nha Trang.
Mal entrei no autocarro (desta vez entrei no veiculo certo), deparei-me com um grupo de 17 italianos, cuja faixa etaria se encontrava algures entre os 25 e os 60 anos.
"ahh, os italianos sao tao engracados, sempre animados, divertidos, cheios de energia".
Isto pensei eu ao inicio da viagem. Ao fim de 6 horas ja so suspirava pelo fim da tortura...
"Mas eles nao se calam nem por um segundo???"

Nha Trang
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Em vesperas do ano novo (dia 7 de Fevereiro) nao da para esquecer que nos encontramos num pais comunista. Pelo menos na teoria... Ha uns dias atras li no jornal que o governo pretende triplicar o numero de turistas no Vietname ate 2012. Fica a duvida: capitalismo comunista, comunismo capitalista ou "nada a ver com nada"?
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Nao gostei de Nha Trang. Ou melhor, adorei la estar durante um dia. Ha momentos a viajar sozinha durante os quais me sinto livre, autonoma, independente. Sou eu, eu e eu, e nao preciso de mais ninguem. Isso sabe maravilhosamente bem! E foi assim que me senti enquanto deambulava por Nha Trang. Por outro lado, nao achei o sitio minimamente interessante: grandes hoteis ao pe da praia, muito transito, muito turismo em grandes grupos.
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O meu objectivo era rumar para Norte, para Hoi An (antiga vila que e hoje Patrimonio Mundial da UNESCO), passar la uns dois dias e seguir para o Laos. Por isso, depois de um dia em Nha Trang, apanhei o autocarro para Hoi An.
Depois de uma hora de viagem, o australiano que ia ao meu lado comecou a falar comigo e, desde entao, foram cerca de 10 horas a falar non-stop sobre tudo e nada - o cosmos, o macrocosmos e o microcosmos. E foi assim que conheci o Steve e o amigo dele, o Mark, com quem ando a viajar ha ja uma semana.
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O Steve, eu e o Mark

A vila de Hoi An fez-me lembrar Obidos. Um sitio com muita historia mas tambem com muitos turistas. Vale a pena visitar mas, a certo ponto, torna-se dificil distinguir entre o que de facto faz parte do passado e o que e produto de uma reconstrucao historica superficial, destinada simplesmente a atrair o maior numero de turistas possivel. Infelizmente nesse dia esqueci-me da maquina fotografica no quarto...

Uma das coisas que mais chamou a minha atencao foi o Museu da Revolucao. Assim que la entrei so vi cartazes em vietnamita, em ingles so se vislumbravam umas pequenas legendas debaixo de alguns (nao todos mas alguns!) objectos expostos. O que li (sobre ambas as guerras contra os franceses e contra os americanos) deixou-me ainda mais curiosa sobre o conteudo dos cartazes grandes.
Aqui vao alguns exemplos:
- objecto: Espada. Legenda: "espada usada pelo Mr Ho para matar um comandante frances"
- sandalias. "sandalias usadas pelo Mr qualquer coisa na guerra contra os franceses"
- pedaco de helicoptero. "partes de um helicoptero americano destruido pela guerrilha qualquer coisa"
- Pedaco de madeira com pregos. "instrumento utilizado para matar os vietnamitas traidores que se tornaram aliados dos americanos"
Infelizmente esqueci-me dos muitos outros exemplos que esperava ter ainda gravados na minha mente.
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Steve & Mark: a felicidade estampada nos rostos de quem consegue finalmente deixar o Vietname para tras
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Bem, estavamos os tres de acordo que, depois de tres dias em Hoi An, o ideal seria seguir para o Laos. Nenhum de nos estava maravilhado com o Vietname (tudo parece sofrer uma forte inflacao por aqui, os precos parecem muito mais elevados que em qualquer outra parte do sul da Asia) e tinhamos todos ouvido descricoes bem mais apelativas do Laos.
O Steve e o Mark queriam chegar rapido a Vientiane porque tinham amigos algures la perto, entao resolvemos optar por uma fronteira que nao e muito usada por turistas, mas que (na teoria) nos permitiria poupar tempo. Toda a gente estranhou quando decidimos comprar bilhete de autocarro para Vinh (porque nao ha turista que opte por la ir, nem havia referencias ao local no nosso Lonely Planet do Sul da Asia), e avisaram-nos que o facto de chegarmos a cidade de madrugada nao nos ia facilitar as coisas. Mas la fomos.
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Como explicar? Nao havia ninguem que falasse ingles, demoramos meia hora a conseguir explicar a um motorista que queriamos um hotel (isto de madrugada, ao frio e a chuva - no norte do Vietname, o Inverno traz recordacoes do fresquinho de Portugal). No dia seguinte foi andar a correr, se nao apanhassemos o autocarro iamos acabar presos nesse fim de mundo que era Vinh por mais 5 dias, porque as celebracoes do Ano Novo estavam prestes a comecar.
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Depois de um taxi, um autocarro e mais dois taxis, chegamos finalmente a fronteira do Vietname.
Muito frio, nevoeiro, homens fardados, armados e com caras de maus. Mostramos passaportes, o antipatico senhor do balcao la os carimba e, de seguida, pede-nos dinheiro. "AAAiiiii, la vamos nos ser roubados novamente"! Era so um dolar mas tornou-se uma questao de honra. Lembrei-me da Laura e do berro que ela deu na fronteira do Nepal, quando nos pediram dinheiro extra. "Nao pago!!!", gritou ela. E o homem la nos deu os passaportes e continuou na sua vidinha, como se nada tivesse acontecido. Depois do Steve e o Mark terem dado o dinheiro, eu resolvi seguir o exemplo da Laura: "Nao pago!!". Mas... houve algo que nao correu bem. Ele olhou para mim, com cara de quem esta determinado a mostrar-me quem manda ali, disse que agora nao me dava o passaporte, e comecou a atender outras pessoas enquanto ignorava as minhas tentativas de comunicacao. Estendi-lhe o dinheiro e ele continuou a ignorar-me, ate que um outro "oficial" la apareceu para me devolver o passaporte e "abarbatar" as notas.
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E foi este o ultimo contacto com o Vietname. Escusado sera dizer que a fronteira do Laos nos apareceu a frente como uma aparicao divina!


Uma miragem: a fronteira do Laos

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Deambulacoes pelo Cambodja - parte II

Engracado como por vezes, num curto espaco de tempo, a nossa disposicao pode sofrer oscilacoes completamente inesperadas. A minha jornada depois da separacao do grupo, que comecou como um ardua caminhada solitaria, acabou por se revelar o inicio de mais uma experiencia fantastica!

De Phnom Penh parti para Kampong Cham, ainda meio atordoada, com o cerebro a bombardear-me com uma vasta panoplia de memorias que tresandavam a melancolia. Como se nao bastasse, no primeiro dia nessa nova cidade, consegui auto-mutilar-me enquanto tentava descascar uma maca. A visao de um canivete suico a perfurar a pele, para quem e dificil olhar para um gota de sangue sem quase sucumbir ao desmaio, nao foi algo de propriamente agradavel... Mas consegui manter-me acordada, arrastei-me para fora do quarto e, depois de me alimentar, arranjei um guia para me levar a passear de mota pelos arredores da cidade.

Ponte de bambu com cerca de 3km

E quando estamos nos a espera de atravessar esta ponte (uma verdadeira visao!), em direccao a ilha de Koh Paen, eis que eu vejo o mais charmoso de todos os seres humanos sobre o qual os meus olhos ja pousaram! Mais encantado que um verdadeiro Principe Encantado, ele lancou o seu feitico sobre mim... E desde entao a minha maquina recusou-se a parar de o fotografar!


O cambodjano mais cativante de sempre




Ele na sua Harley Davidson
No dia seguinte foi abandonar Kampong Cham e partir para Sen Monorom, numa saltitante odisseia de cerca de 12 horas a atravessar estradas de terra batida, recheadas do que pareciam ser crateras vulcanicas. Pelo meio foi travar conversa com um holandes, o Rob, um casal de suecos, um casal de holandeses e um casal de belgas (parece que viaja tudo aos pares!!) que acabaram por se tornar as minhas animadas companhias pela provincia de Mondulkiri.

Sen Monorom e uma pequena aldeia no interior de Mondulkiri, constituida por pouco mais de 4 ou 5 casas (sendo que uma dessas e o mercado). O que fazer entao por la? Visitar as varias cataratas das redondezas e as aldeias das minorias etnicas (ou Minority Villages, como lhes chamam). O problema sao mesmo as estradas ou, melhor dizendo, a ausencia delas!

O Mr. Tree, o gerente do hotel em que ficamos, propos fazer um desses passeios de Tuc Tuc. "Hmmm... Tuc Tuc?", pensamos nos. "Nao sera demasiado violento para os nossos tao adorados traseiros??". Bem, eu e o Rob decidimos alinhar e desbravar a terra batida a velocidade de Tuc Tuc.

Nao consigo, atraves de imagens, transmitir a quantidade de solavancos a que, durante 3 horas de viagem, o nosso corpo foi submetido. Mas pelo menos da para mostrar que nos fartamos de comer po!


Bousra Falls

Mas o que poderia saber melhor (depois de muito tempo a levar com po, calor e um assento agressivo) que um mergulho em aguas fresquinhas???

Entretanto tive que me esforcar por explicar a um incredulo (e friorento) holandes que a temperatura da agua se assemelhava a do Atlantico que banha Portugal. "Mas Portugal nao e suposto ser um pais quente? Como e que pode ter agua tao fria???".


O por do sol numa das varias aldeias de minorias
(minorias essas que, segundo o ingles semi-arcaico do Mr. Tree, sao originarias da Indonesia)
Depois de tres dias por Sen Monorom, chegou a altura de partir para o proximo destino: a cidade de Kratie. Desta vez uma viagem de luxo (pensava eu)! o Mr. Tree arranjou um transporte diferente: primeira parte da viagem de pick-up (nada de autocarros para ninguem!), segunda parte de taxi partilhado (hmm...). De facto, entre cabecadas e cotoveladas na janela, a viagem ate meio caminho fez-se em menos de metade do tempo.



No posto de gasolina, alguem reabastece a Pick-up


Uma imagem que eu achei importante partilhar: o posto de gasolina!
E claro, chegou a altura de abandonar o "luxuoso" meio de transporte...
Depois de pararmos na pequena povoacao de Snoul e eu voltar a ficar por minha conta, sou literalmente "enfiada" para dentro de uma carrinha que, embora tivesse um limite de cerca de 9 passageiros, estava carregada com, no minimo, umas 15 pessoas. Tornei-me uma peca do puzzle humano e la nos pusemos a caminho. "Isto vai demasiado carregado", divagava eu por entre as minhas ilusoes de ocidental. Porque a verdade e que as coisas funcionam de modo bastante diferente pela Asia...

Menos de 5 minutos depois, passamos por um autocarro que devia ter tido um acidente, e estava rodeado de gente. No minimo umas dez pessoas, com grandes pacotes e malas. Toca de parar e comecar a atirar tudo para o tecto da carrinha: pessoas, malas, malinhas e maloes! Nao ficou nada na estrada! "Ai que o tecto ainda me vai cair em cima! Ai que os travoes nao vao funcionar!". Mas a verdade e que correu tudo bem, cheguei sa e salva (e bem disposta!) a Kratie.
As vezes questiono-me se nao seremos nos, no ocidente, que nos tornamos exageradamente obcecados com os limites de tudo e mais alguma coisa...



O processo de carregar o tecto da carrinha com pessoas, malas e sacos.


Fiquei um pouco frustrada porque nao agarrei na maquina a tempo de fotografar a carrinha com todas as pessoas em volta (muitas delas estavam atras de mim quando tirei a foto...).
Acho que, durante os 3 meses em que viajamos juntas, a Laura acabou por me transmitir um pouco do "virus da fotografia"!

Entretanto ja estou de regresso a capital cambodjana, Phnom Penh.

Depois de amanha rumo ao Vietname, para Ho Chi Minh (antiga Saigao)!

sábado, 19 de janeiro de 2008

Deambulacoes pelo Cambodja

(comentario "pre-leitura de post": para compensar os muitos dias sem actualizar o blog, venho por este meio dar inicio a um post bastante extenso. Em caso de se tornar aborrecido, ha sempre a opcao de saltar os textos e dar uma olhadela as imagens!)

As vezes parece que os momentos em que se vive mais intensamente sao os mais dificeis de descrever. A tendencia e recorrer a adjectivos que embora possuam uma carga altamente positiva, nao tem qualquer capacidade descritiva.
Passo a exemplificar:
- Entao que tal foram os ultimos 10 dias?
- Ahh... Incrivel! Foi demais, mesmo... Diverti-me imenso!
- Mas o que e que aconteceu exactamente?

(e agora e que comeca a parte dificil...)

Depois de introduzir a Catarina (a compatriota recem-chegada a Bangkok) as maravilhas do mundo das massagens e ao apetitoso consumismo desenfreado que se vive em Khao San Road (a "rua dos turistas" de Bangkok, onde se pode comprar todo o tipo de bens materiais - sobretudo roupa!!) pusemo-nos a caminho de uma das varias ilhas paradisiacas da Tailandia - Kho Chang. Foram dois dias de mergulhos intensos em aguas mornas que se tornaram cansativos porque, nos intervalos, ambas nos vimos obrigadas a ensinar civilizados holandeses e finlandeses a jogar futebol a boa maneira portuguesa (ou seja, com muitas caneladas e empurroes a mistura).
Descobrimos que, gracas a um jogo do Euro 2004, ha muito rancor entre os holandeses em relacao a seleccao portuguesa. A minha memoria de especime feminino nao me permitiu armazenar quaisquer pormenores desse jogo, mas parece que o facto da vitoria portuguesa ter ocorrido na sequencia de 4 cartoes vermelhos e 11 amarelos deixou muitos holandeses amargurados!

Terminados os 2 dias de relax, eu, a Catarina e o nosso companheiro holandes, o Rens, resolvemos por-nos a caminho do Cambodja, em busca do mitico complexo de templos de Angkor Wat. A travessia que no mapa parecia mais longa eram os quilometros pelo asfalto da Tailandia ate a fronteira - percurso esse que de facto demorou 7 horas. O que nao faziamos ideia era que, para percorrer os cerca de 150km da fronteira em Aranyaprathet ate a cidade de Siem Reap, iamos demorar umas 10 horas...

Primeiro as confusoes que trazem reminiscencias do caos indiano: o autocarro leva-nos para a "loja do amigo", um local onde podemos trocar os Bahts tailandeses e os Dolares por Riels (moeda cambodjana) a precos que nos deixam os cabelinhos em pe! Depois de enchermos os bolsos ao "amigo do cambio" la nos pomos novamente a caminho. Eis que 5 minutos depois o autocarro volta a parar. Avariado!! Mais uma hora e tal a espera que chegue um novo autocarro...
Mudanca efectuada e la retomamos caminho a uns alucinantes 30 km/h, enquanto percorremos uma estrada de terra batida bem esburacada.
E foi no meio desta confusa sequencia de paragens que conhecemos dois noruegueses, a Tonya e o Glenn, que ficaram depois no mesmo hotel que nos e acabaram por se tornar os nossos companheiros de aventuras pelo Cambodja.
Novamente a questao: como transmitir, de forma verosimil e minimamente comica, toda a sequencia de piadas sem sentido que deram azo a tantos ataques de riso enquanto exploravamos o Angkor Wat?? Nem sequer vou tentar, passo antes as apresentacoes:


Rens, the Dutch Fisherman
(o pescador holandes)


Glenn, the Norwegian Monkey
(o macaco noruegues)


Eu & Tonie & Catarina: The 3 weird chicks
(Sorry Tonie, but I had to post this foto!)


The whole gang: Catarina, eu, Tonya, Glenn e Rens

Nos e o nosso condutor de Tuc Tuc - o Tai
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Afinal o que e o Angkor Wat? E um dos muitos templos (e o principal, alias) construidos entre o seculo IX e o seculo XI, durante os tempos aureos do Imperio Khmer, um vasto imperio que se estendia nao so pelo Cambodja, como tambem por territorios que sao hoje em dia parte da Tailandia ou do Laos.
Depois da queda do Imperio Khmer (algures pelo seculo XIV - se a memoria nao esta a pregar uma partida), os templos acabaram por ficar ao abandono, semi-destruidos nao so pela mao humana como tambem pela propria natureza. Em finais do seculo XIX, os franceses (pela mao de um aventureiro explorador que deu pelo nome de Henri Mouhot) redescobriram Angkor Wat para o mundo que, recentemente, elegeu este templo como uma das sete maravilhas do planeta Terra.
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Angkor Wat tem mesmo muito para ver. Por isso decidimos dedicar 3 dias a contemplacao de templos. Demasiados dias? Nao, nem pensar! E conseguimos ver quase tudo gracas ao Tai, o nosso Tuc Tuc driver, que nos foi conduzindo de monumento em monumento. Havia quem optasse pelas bicicletas mas teria sido dificil ver tudo desse modo. Primeiro porque o calor era tanto que as vezes se tornava dificil manter os olhos abertos e o corpo em movimento. Depois porque havia templos muitos distantes uns dos outros, as vezes so 3 ou 4 quilometros, mas outras vezes a distancia rondava entre os 15 e os 20 quilometros.
Valeu a pena o esforco e os muitos dolares gastos??
Sem duvida! Ha templos impressionantes, quase nos conseguem transportar no tempo, para outras realidades que nunca conhecemos mas que, talvez gracas aos muitos filmes Hollywoodescos, conseguimos facilmente recriar na nossa imaginacao.
E claro, a sensacao de aventura! Porque ao atravessar certos locais eu senti-me uma exploradora, uma especie de Indiana Jones versao feminina. Ate chapeu arranjei, so faltava mesmo o chicote!
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O templo de Angkor Wat ao nascer do sol

A neblina matinal perto de um edificio (uma antiga biblioteca) pertencente ao Angkor Wat
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Uma das principais atraccoes consiste em apreciar o Angkor Wat ao nascer do sol. Toca a levantar da cama as 5h da manha para maravilhar os olhos semi-adormecidos com esta visao!
De facto valeu a pena, foi um momento bonito mas... com um pequeno senao. Houve momentos em que a magia de Angkor Wat e outros templos quase se esfumava, tornavam-se edificios banais. E porque?? Porque havia demasiados turistas como nos, a deambularem em grandes grupos barulhentos (malditos japoneses que estao por todo o lado!!), em busca da fotografia-perfeita. E quais as alturas mais confusas? Precisamente aquelas em que mais fazia falta o silencio, a completa ausencia de som, para serem devidamente apreciadas: o nascer e o por do sol.
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Um exemplo da multidao que se deslocava de madrugada a Angkor Wat
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Exploradores em Angkor Thom (ou seria Thom Bayom?? Ja nao sei, eram tantos...)
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Tonie e "Catarina versao romena com lenco na cabeca" em mais um templo cujo nome ja nao me recordo...
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E assim se passaram 3 dias em Siem Reap, a brincar aos arquelogos por Angkor Wat.
Terminada a exploracao de templos, partimos em direccao a capital do Cambodja - Phnom Penh. Desta vez, ainda meio traumatizados com a ultima experiencia via autocarro, resolvemos ir pelo rio. La foram 5 horas sem paragens, nem saltos em estradas esburacadas. Foi uma bela surpresa!
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O Cambodja e um pais com uma historia recente bastante sangrenta. Os dois principais "monumentos" (se e que se podem chamar assim) que retratam esses anos encontram-se precisamente em Phom Penh: sao os Killing Fields (ou campos de exterminio) e o Museu Tuol Sleng (antiga prisao da epoca dos Khmers vermelhos). Foram duas visitas bastante violentas, saimos de la como se tivessemos regressado de um campo de batalha, depois de termos avistado os muitos milhares de cadaveres espalhados pelo chao...
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O que aconteceu entao? Nos anos 70, a guerra do Vietname acabou por se estender aos paises vizinhos e muitos dos comunistas que andavam em fuga procuravam abrigo neste pais e no Laos. Claro que os Estados Unidos tinham que retaliar e, por isso, bombardearam e atacaram de muitas formas o Cambodja. Mesmo assim, o rei Sihanouk recusou-se a abrir o pais aos americanos. E isso nao pode ser, quem e que se atreve a afrontar o grande imperio americano??? Ai, ai,ai!! Obvio que a CIA teve que se apressar a dar uma licao ao rei: toca de arranjar o candidato perfeito, dar azo a um golpe de estado e XARAAAAN... O Cambodja encontrava-se livre do ditatorial regime monarquico e tornava-se finalmente um regime democratico!
E foi assim que o general Lon Nol chegou ao poder.
Entretanto, os comunistas refugiados pelo pais resolveram organizar-se como deve ser, e
comecaram a ganhar popularidade enquanto Khmers Vermelhos. O seu poder tornou-se mais forte com o apoio do rei Sihanouk e com o fornecimento de armas e afins por parte da China comunista. Em 1975, os Khmers Vermelhos chegaram ao poder e durante os 4 anos que estiveram no poder foram eliminados, das formas mais horripilentes, cerca de 2 milhoes de Cambodjanos (um terco da populacao do pais) e alguns jornalistas ocidentais.
O objectivo (segundo um dos nossos guias) era estupidificar a populacao, de modo a nao haver alminha que se atrevesse a questionar o regime. Dai que os primeiros a ser exterminados tinham que ser os mais "habituados a pensar". Uma das formas de determinar quem merecia sobreviver requeria a proximidade de palmeiras ou coqueiros: quem conseguisse subir ao topo da arvore era considerado "util", por isso sobrevivia. Quem nao conseguisse era um "inutil", nao merecia viver.
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Os Killing Fields - esta e uma "estupa" em honra dos que aqui foram mortos
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Esta imagem nao parece nada de muito impressionante mas a verdade e que la dentro se encontram varias prateleiras com milhares de caveiras que foram encontradas neste campo de exterminio.
Uma das atrocidades cometidas pelos Khmers Vermelhos, que ainda hoje causam sofrimento aos que estao vivos, foi a forma como eles sepultavam os mortos. Eles separavam a cabeca do resto do corpo e enterravam-nos em locais diferentes. Isto e extremamente agressivo para a cultura Khmer (os cambodjanos dizem-se Khmers - apesar da conotacao negativa da palavra, gracas a versao comunista: Khmers Vermelhos), porque eles acreditam que o espirito de um morto so consegue descansar em paz quando e sepultado devidamente, com todas as partes do corpo no mesmo local. Caso contrario, o espirito continuara a rondar o sitio onde morreu, em sofrimento.
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Bem... E todos estes dias passados em conjunto teriam que chegar ao fim...
No dia 16, a Catarina apanhou o seu voo para Bangkok e depois Portugal. O grupo ficou reduzido a 4 elementos. Para tentar enganar a nostalgia que ja se fazia sentir, resolvemos optar por programa mais animado e fomos dar uns mergulhos no Parque Aquatico de Phnom Penh!
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O minha primeira incursao num parque aquatico!! YUHUU!!
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Nos os 4 com o fiel guarda do parque (que se sentou junto as nossas malas e nunca as largou de vista) e a sua bela girlfriend
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E no dia 18 foi a despedida... A Tonya e o Glenn seguiram caminho para o Vietname, o Rens foi apanhar o seu voo em direccao a Bangkok e depois Australia.
E fiquei eu, meia atordoada pelas ultimas noites mal dormidas, pronta para seguir viagem "on my own" pelo Cambodja. Foi apanhar autocarro, seguir 3 horas de viagem e la estava eu numa nova cidade: Kampang Cham.
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E que tal viajar sozinha?? Ainda nao percebi se gosto ou nao... Ha momentos de euforia, em que sou invadida por uma sensacao de liberdade que so me da vontade de voar! Mas tambem ha momentos em chego ao quarto e nao ha ninguem, nao ha som (eu sabia que devia ter comprado umas colunas para o MP3!!), e uma especie de solidao parece que se apodera de mim.
A ver vamos! Amanha sigo para um local isolado algures no nordeste do Cambodja (chamado Sen Monorom), onde nao ha internet. Quando de la sair volto a partilhar impressoes desta viagem!